sábado, 17 de abril de 2010

Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade

Introdução

Este artigo apresenta o processo que fez com que ocorresse a fragmentação disciplina por meio de rupturas epistemológicas ao logo dos séculos dentro das comunidades científicas. Procura destacar os pontos em que as rupturas aconteceram.  Aborda-se também o processo em prol da reunificação dos saberes dentro das perspectivas multidiciplinar, pluridiciplinar, interdiciplinar e transdiciplinar. Pretende-se expor as definições utilizadas por alguns atores, mas que coadunam com nosso entendimento nesta complexa verificação de diferentes abordagens de pesquisa. Contudo, não se pretende buscar a exaustam, mas o entendimento sucinto e preliminar nas abordagens em tela.

Da coesão disciplinar à hiperespecialização

A busca pelo conhecimento verdadeiro sempre foi uma constante ao logo da história da humanidade. Os primeiros pensadores procuravam interpretar a realidade do mundo, antes do século XIII, por meio da contemplação, do êxtase e da revelação (SOMMERMAN, 2008, p. 10). Para alcançar este objetivo recorriam à mãe das ciências, ou seja, a filosofia.  Neste período os temas eram abordados não de forma singular, mas buscando uma interligação para compreensão dos fenômenos e da realidade, pois todos os pensadores tinham uma formação universal. A compreensão do mundo e busca pela verdade era feita por meio da generalização do conhecimento e pela possibilidade de transitar e discorrer sobre estes diferentes temas a luz da filosofia.

Entretanto, foram ocorrendo mudanças e a emergência de rupturas que abalaram a forma de interpretar o mundo. A primeira ruptura (século XIII - renascimento) que vislumbrou a divisão entre a teologia mística e a teologia racional, hermenêutica espiritual e hermenêutica racional (SOMMERMAN, 2008). A segunda ruptura (influenciado pelo iluminismo do século XVIII), consequência da primeira ruptura, separa a fé da razão, e eleva está última a condição de faculdade cognitiva suprema.

Pode-se mencionar que se consolidou em decorrência das rupturas uma separação entre a ciência e a filosofia. É prudente destacar que outras posições epistemológicas foram geradas e se destacam como exemplo: reducionismo, mecanicismo, ceticismo, subjetivismo, relativismo e criticismo. As Conseqüências foram a redução do campo do conhecimento considerado como verdadeiro. Como destaque e para exemplificação citam-se o ceticismo que nega a possibilidade de conhecimento e o relativismo e subjetivismo que negam a possibilidade de um conhecimento absoluto (SOMMERMAN, 2008).

Este processo ruptural, culmina com a separação praticamente intransponível entre as Ciências Exatas (quadrivium = aritmética, geometria, astronomia e música) e das Ciências Humanas (trivium = gramática, retórica e dialética ).

Desta forma a hegemonia do pensamento reducionista teve grande apoio dos cientistas da época. Assim, se pode apresentar o predomínio do racionalismo entre os séculos XVII à XIX e do positivismo e empirismo do século XIX até a atualidade (SOMMERMAN, 2008). Destas últimas correntes encontraram apoio na sociedade industrial que auxiliou no estabelecimento de uma nova estrutura hierárquica das ciências sendo consideradas as divisão como apresenta Sommerman (2008, p. 23):

·         Ciências fundamentais (matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia);

·         Ciências descritivas (zoologia, botânica, mineralogia, psicologia); e

·         Ciências aplicadas (engenharia, agricultura e educação).

Estas divisões vão ao encontro de uma transformação que procura atingir um hiperespecialização disciplinar, isto “na metade do século XX” (SOMMERMAN, 2008, p. 24). Este processo de hiperespecialização ocorreu com “o crescimento exponencial do volume e da complexidade dos conhecimentos pela multiplicação e sofisticação tecnológica” (SOMMERMAN, 2008, p. 24), fazendo com que fosse sobrepujada a circularidade das ciências em prol da fragmentação disciplinar do saber.

Desta forma, a fragmentação disciplinar fez com que ocorre-se uma divisão disciplinar e que campos de conhecimento emergissem para facilitar sua compreensão do mundo, mesmo reduzindo o dialogo entre as disciplina.

Contudo, esta hiperespecialização atingiu patamares indissociáveis que dificultam a compreensão ou explicação de fenômenos cada vez mais considerados complexos. Outro ponto fundamental é a refutação de axiomas que a ciência tinha como inquestionáveis em decorrência das pesquisas e dos próprios avanços científicos. Estas mudanças de paradigmas fazem com que um movimento de reaproximação dos saberes e das disciplinas seja necessário para explicar a complexidade do nosso mundo. Isto por uma visão que propicie a integração das disciplinas para resolução de problemas.

Discutindo as Integrações Disciplinares

Antes de abordar a integração disciplinares de acordo com as classificações atualmente aceitas é prudente entender o conceito de disciplina. Dentre os significados da palavra cabe aqui apossar-se do que mais se adéqua ao desígnio pretendido dentro do contexto que se pretende trabalhar.

Desta forma, a palavra disciplina é uma palavra que tem a mesma etimologia da palavra "discípulo", que significa "aquele que segue". Também é um dos nomes que se pode dar a qualquer área de conhecimento estudada e ministrada em um ambiente escolar ou acadêmico. Geralmente diz respeito a uma Ciência ou Técnica, ou subderivados destas. Aqueles que seguem uma disciplina podem assim ser chamados de discípulos.

Machado (2009, p. 3) apresenta a definição da palavra disciplina como “conjunto específico de conhecimentos com suas próprias características sobre o plano do ensino, da formação dos mecanismos, dos métodos e das matérias”.

Mesmo na definição apresentada por Machado (2009) há duas palavras que merecem destaque, ou seja, “conjunto e conhecimento”. Se observar e ligar estas duas palavras pode-se chegar a expressão conjunto de conhecimento. Esta expressão “conjunto de conhecimento” extrapolar a barreira disciplinar, pois por mais conhecimento que uma disciplina tenha esta é insuficiente para representear a complexidade do nosso mundo. Assim concordo com Santomé (1998 apud SOMMERMAN, 2008, p.27) quando diz:

Apesar de o método de recortar cada problema em partes para compreendê-lo melhor e de as epistemologias racionalista e empirista fragmentarem um número cada vez maior de ciências e disciplinas, vimos que sempre houve, em algum nível, certa aspiração à unidade do saber.
A resposta a aspiração à unificação do saber tem resposta nas emergentes propriedades da multidiciplinaridade, pluridiciplinaridade, interdiciplinaridade e transdiciplinaridade.

Estas abordagens surgem pela necessidade que é apresentada por Sommerman (2008, p. 28):

No que diz respeito à pesquisa acadêmica, começaram a reaparecer na metade do século XX propostas que buscavam compensar a hiperespecialização disciplinar e propunham diferentes níveis de cooperação entre as disciplinas, com a finalidade de ajudar a resolver os problemas causados pelo desenvolvimento tecnológico e pela falta de diálogo entre os saberes decorrentes dessa hiperespecialização.

Embora muitas sejam as definições encontradas para multidiciplinaridade, pluridiciplinaridade, interdiciplinaridade e transdiciplinaridade, procura-se aqui, apresentar as definições que coadunar com nosso modesto entendimento.

·         Multidiciplinaridade: “evoca basicamente um aspecto quantitativo, numérico, sem que haja um nexo necessário entre as abordagens, assim como entre os diferentes profissionais”. (Coimbra, 2000 apud SOMMERMAN, 2008, p. 28).

Pode-se perceber que para trabalhar multidiciplinarmente não há necessidade de uma ligação explicita entre as abordagens, ou seja, não precisa haver a manifestação das relações entre os ramos dos conhecimentos utilizados na pesquisa. Não existe cooperação dos saberes.

·         Pluridiciplinaridade: “é a existência de relações complementares entre disciplinas mais ou menos afins. É o caso de contribuições mútuas das diferentes histórias (da ciência, da arte, da literatura, etc.) ou das relações entre diferentes disciplinas das ciências experimentais”. (ZABALA, 2002 apud SOMMERMAN, 2008, p. 29).

Neste processo a afinidade é apresentada e a cooperação entre os saberes fica mais evidente, assim como, a coordenação, que se dará em decorrência da disciplina ou conhecimento que tiver mais força ou presença na pesquisa.

·         Interdiciplinaridade: consiste num tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado. Verifica-se nesses casos a busca de um entendimento comum (ou simplesmente partilhado) e o envolvimento direto dos interlocutores (Coimbra, 2000, apud SOMMERMAN, 2008, p. 30).

Na interdisciplinaridade há um nexo entre as abordagens utilizadas, pode também ocorrer o empréstimo de métodos de uma disciplina ou abordagem para alcançar a resolução de um problema. A busca por soluções de problemas complexos tangencia os limites das disciplinas e capta essências fundamentais para atingir os objetivos pretendidos.

·         Transdiciplinaridade: é a constituição de uma super disciplina que transbordaria o campo das possíveis conexões entre disciplinas. (Leff, 2000)

Nesta abordagem não se consegue distinguir os limites entre as disciplinas. Há emergência de outra disciplina que apresenta características distintas de abordagens e que faz surgir conceitos novos que desacreditaram axiomas existentes.

É importante destacar que outras formas de entendimento da multidiciplinaridade, pluridiciplinaridade, interdiciplinaridade e transdiciplinaridade são definidas dentro congresso, encontros e outros eventos da comunidade científica. Pode-se destacar a visão proposta por Piaget, que segundo Santomé (1998, p. 70) pode ver vista na figura 1. Em sua análise a multi e pluridiciplinaridade são fundidas em uma só, ou seja, fazem parte de uma mesma forma de abordagem se destacando apenas no nível de interação. As diferenças sobre as Xdiciplinaridade de Piaget estão apresentadas da seguinte forma:

Fonte: Adaptado do Livro de Sommerman (2008).
Figura 1 – Adaptação da Visão de Piaget sobre Mult, Inter e Transdisciplinaridade.

Pelo que se pode perceber está longe de se chegar a um consenso sobre multidiciplinaridade, pluridiciplinaridade, interdiciplinaridade e transdiciplinaridade. Talvez o propósito seja a discussão, pois a dificuldade é grande, embora por vezes pareça simples.

Acredito que o mais importante é utilizar uma definição que seja aceita por alguns grupos da comunidade científica e realizar o enquadramento, quando necessário, da pesquisa dentro dos padrões aceitáveis.

 Conclusão

Pode-se verificar ao longo deste sucinto artigo o processo de fragmentação disciplinar no qual o intuito era alcançar o entendimento sobre o mundo. A consolidação de abordagens que dessem conta de responder a questionamentos com a utilização de procedimentos bem definidos se vez necessária para dissecar os problemas e estudá-los. Para isto, o reducionismo foi utilizado e muitas abordagens surgiram para procurar encontrar soluções aos problemas da humanidade. Com o passar do tempo e com os avanços científicos, sobretudo os tecnológicos, se percebeu que as disciplinas estavam fragmentadas e não mais davam conta de responder aos problemas encontrados. Isto dada a complexidade do mundo e a descoberta de uns e refutamento de outros axiomas que eram tidos como inquestionáveis. Frente a estes problemas, tidos como insolúveis por muitos, emerge a necessidade de integração das disciplinas. Surge, assim, as abordagens multidiciplinaridade, pluridiciplinaridade, interdiciplinaridade e transdiciplinaridade para trabalhar de forma integrada em busca de um conhecimento verdadeira e para resolução de problemas no mundo bem mais complexo como era tido anteriormente.

Referências

MACHADO, Vanessa Schieffelbein. INTERDISCIPLINARIDADE: Conceitos e aplicabilidade no ambiente escolar. 2009. WebArtigos.com. Disponível em: < http://www.webartigos.com/articles/27601/1/INTERDISCIPLINARIDADE-/pagina1.html>. Acesso em: 12/04/2010.

SOMMERMAN, Américo. Inter ou Transdisciplinaridade?: da fragmentação disciplinar ao novo diálogo entre os saberes. Editora Paulus. 2ª Edição. São Paulo. 2008.